Foi um dos assuntos da semana: a polêmica envolvendo a cota de um fundo que – dentre outras coisas – recebe partes do RLP.
Para falar de RLP, antes, precisamos citar outro tema: microestrutura de mercado. Um tema pouco falado – embora essencial – que é a base de TODO algoritmo de execução, seja de alta ou baixa frequência. A microestrutura é um campo de estudo amplo, e eu poderia fazer um curso de meses explicando isso, mas não é esse o ponto hoje: vamos ao básico para chegarmos ao assunto RLP.
Um dos conceitos principais no mundo do trading é o Informed e Uninformed Trading. Já havia visto esses termos? Não? Então, justamente por isso aquela “cota” não para de crescer. Teu dinheiro está indo para lá.
VOCÊ PRECISA CONHECER ESSE TEMA.
Não vamos confundir com insider trading, que é ilegal – é crime – e não possui relação com o tema.
Informed Trading é o “trading informado”, aquela boleta que contém informações relevantes para o processo de price discovery do mercado. Imaginem um grande fundo querendo comprar 5 milhões de ações de uma empresa. Agora, imaginem o contrário: as mesmas 5 milhões de ações sendo compradas apenas por pessoas físicas. Mesma quantidade, mesmo volume e mesmo preço, mas onde está a maior probabilidade de informação? Exato, na compra por parte do fundo. São operações que levam um IMPACTO PERMANENTE ao mercado. Guardem esse conceito.
Uninformed Trading, no mercado – e na analogia anterior –, pode ser explicado pelo movimento de compra por parte das pessoas físicas, sem informação relevante no processo de price discovery. Lembram da compra de 5 milhões de ações de antes? Então, a compra desse lote pelas pessoas físicas até causa um impacto no preço, mas um IMPACTO TRANSITÓRIO. Já comprou algo que havia “andado bem”, pode ter sido até um belo rompimento de região, e, “do nada”, o preço voltou? Pode ter sido uma dessas situações, onde o mercado sofre um impacto transitório por parte do uninformed trading, executa esse lote na máxima e, quando termina a execução, o mercado volta ao seu estado normal.
É IM-POS-SÍ-VEL dizer quem está executando o lote X ou Y. Os algoritmos, especialmente de alta frequência, conseguem fazer essa diferenciação através de modelagem de dados, tentando buscar padrões no processo de execução dos lotes.
Obviamente, os algoritmos de alta frequência, os famosos HFTs, tentam buscar vantagem sobre o uninformed trading. Quanto maior a probabilidade de informed trading, pior o cenário para o HFT/Market Maker executar contra esse lote. Nesse caso, como as chances de perda são maiores, o spread aumenta para compensar o HFT/Market Maker pelo risco de execução contrária. Na literatura, esse tipo de execução é classificado como Adverse Selection, mas isso é tema para outro texto.
Depois dessa introdução à microestrutura, podemos falar diretamente do RLP. Não foi um processo que começou aqui no Brasil; já existe nos Estados Unidos há muitos anos. O RLP nada mais é do que a possibilidade de executar contra o varejo – lote majoritariamente uninformed – e com baixo risco de Adverse Selection.
Ah, João, você está falando que TODOS os traders de varejo são perdedores? Não, nada disso! Estou falando que a MAIORIA perde, mas existem muitos que são vencedores no intraday. Muitos mesmo!
Se a maioria fosse vencedora, o RLP não existiria, a probabilidade de Adverse Selection seria maior e não compensaria os custos. Entenderam? It’s all about numbers.
Uma das grandes distorções do mercado foi o aumento da participação da pessoa física, especialmente no intraday. Lembram do impacto transitório? Acontece demais durante o dia: o mercado aproveita a execução da pessoa física, “leva o preço”, front running dos HFTs, e depois o mercado volta.
Quem entende essa dinâmica consegue até ter certo edge – ou vantagem – no intraday e aproveitar: essa é uma operação que gira entre 100 e 200 pontos algumas vezes por dia.
Outro ponto da distorção é que o lote da pessoa física, o agregado de todos os participantes, entra e sai do mercado ao mesmo tempo: isso gera muito impacto transitório. O HFT força esse lote a ser executado na máxima do movimento, assim como força o stop na mínima.
Isso é uma opinião pessoal, mas compartilhada por diversos amigos do mercado: quem mais perdeu com o RLP foi o institucional. Ele perdeu o “peso” do book, não consegue executar com RLP e só executa contra alta probabilidade de informed trading. A pessoa física não foi prejudicada. O problema é que o AGREGADO opera IGUAL e cria regiões de extrema liquidez, mesmo com RLP. É óbvio que HFTs que investem bilhões em tecnologia vão se aproveitar disso. Não é o TEU stop que o HFT vai pegar, é o stop do AGREGADO que opera da mesma forma que você.
As ordens RLP passam via “direto”, estão fora do book e, até como foi comentado, criam maior volatilidade em momentos de grande oferta/demanda.
Já repararam que alguns ativos possuem RLP, e outros não? Esse será o tema de um próximo texto.
João Ascoli
Instagram/X: @joaoascolid
Compartilho diariamente conteúdos de mercado no meu grupo free, o link está na bio das redes sociais.
Obrigado por mais um artigo João
Show demais, abs!
Muito bom , João. Mais uma aula… obg
Sensacional, João, conhecer um pouco do que ocorre por “trás” das telas.